quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

SUPLEMENTAÇÃO DE CREATINA E EXERCÍCIO

Introdução

Atualmente, o sucesso esportivo está associado freqüentemente com o slogan “vencer a qualquer preço”. Desta forma, os atletas buscam os suplementos nutricionais na tentativa de potencializar o desempenho esportivo, como alternativa para conduzi-los ao sucesso. A American Academy of Pediatric (2001) estimou que anualmente são gastos aproximadamente 400 milhões de dólares com suplementos nutricionais nos EUA.
Dos suplementos nutricionais, a creatina é um dos mais populares entre os atletas, sendo usualmente ingerida na forma monohidratada, que é bem tolerada pelo organismo proporcionando rápido aumento de sua concentração plasmática (Harris et al, 1992). O uso da creatina como suplemento nutricional teve início nos anos 70, onde atletas da extinta União Soviética utilizaram a creatina no intuito de melhorar o desempenho (Kalinski, 2003). No entanto a popularidade da creatina cresceu substancialmente no começo dos anos 90, com a notícia que os atletas ganhadores do ouro olímpico, Linford Christie (100 m rasos) e Sally Gunnel (400 m. com barreiras), utilizaram creatina como recurso ergogênico (Hawes, 1998).
A creatina foi descrita pela primeira vez no ano de 1832 por um pesquisador chamado Chevreul, ela é uma amina derivada dos aminoácidos glicina, arginina e metionina e pode ser obtida na dieta ou ser sintetizada pelo fígado, pâncreas e rins (Walker, 1979). A creatina é metabolizada no rim tendo como produto final a creatinina. Em uma alimentação equilibrada a ingestão diária de creatina é de 1 a 2 g, que podem ser obtidas nas carnes, peixes e outros produtos de origem animal
(McArdle et al, 2001).
Aproximadamente 120 g de creatina são encontrados no organismo de um indivíduo de 70 kg, estando presente principalmente no músculo (aproximadamente 95% do estoque total) e no cérebro. O estoque total de creatina do organismo é formado pela soma da creatina na forma livre (40% do estoque total) e da forma fosforilada, a fosfocreatina (60% do estoque total) (Rawson & Clarkson, 2003). Pelo fato da creatina participar da formação da fosfocreatina, ela se torna um componente essencial do metabolismo energético no músculo cardíaco, esquelético, liso e no cérebro (Rawson & Clarkson, 2003).
A creatina é um importante composto químico fornecedor de energia para atividades musculares de alta intensidade e curta duração, participando da formação da fosfocreatina por meio de uma reação reversível que libera um fosfato de alta energia da molécula de adenosina trifosfato (ATP), formando assim adenosina difosfato (ADP), sendo esta reação catalisada pela enzima creatina cinase. As quantidades intramusculares de ATP e fosfocreatina são capazes sustentar contrações musculares de alta intensidade por um tempo de aproximadamente 10 segundos.
A suplementação de creatina poderia aumentar os estoques de creatina muscular (Harris et al, 1992), embora isto não aconteça em todos os casos (Vandenberghe et al, 1999), propiciando melhora do desempenho em exercícios de curta duração e alta intensidade (Greenhaff et al, 1993, 1994; Rawson, Clarkson, 2003). Ao contrário de muitos suplementos dietéticos, muita pesquisa foi conduzida sobre a suplementação de creatina, mas sua eficácia como recurso ergogênico permanece controversa (Rawson & Clarkson, 2003). A proposta deste artigo é revisar na literatura, os possíveis efeitos ergogênicos e colaterais associados à
suplementação de creatina.

Protocolos de suplementação de creatina

O protocolo de suplementação de creatina adequado é aquele que aumenta as concentrações totais de creatina e/ou fosfocreatina. O protocolo clássico de suplementação de creatina é dividido em duas etapas, a primeira etapa consiste em administrar uma grande quantidade de creatina durante cinco dias (sobrecarga), seguida de uma segunda etapa com doses mais baixas (manutenção) (Harris et al, 1992; Casey et al, 1996; Hultman et al, 1996).
Hultman et al (1996) recomendam uma dose de suplementação de creatina relativa ao peso corporal do indivíduo de aproximadamente 0,3 g/kg de massa corporal/dia, por um período de cinco a seis dias (etapa de sobrecarga), seguida por uma dose de manutenção de 0,03 g/kg de massa corporal/dia, para manter as concentrações totais de creatina. Após uma fase de ingestão de creatina, normalmente de 20 g/dia durante cinco dias, os níveis de creatina muscular podem aumentar em aproximadamente 25% (Harris et al, 1992; Hultman et al, 1996; Rawson, Clarkson, 2003). Entretanto, existe considerável variação no aumento da creatina muscular após a suplementação, pois alguns indivíduos não são responsivos, já que é observado pequeno ou nenhum aumento, como também há indivíduos altamente responsivos onde são observados aumentos de até 40% no conteúdo total de creatina e/ou fosfocreatina após a etapa de sobrecarga (Harris ET al, 1992; Greenhaff et al, 1994; Casey et al, 1996; Hultman et al, 1996).

Suplementação de creatina e desempenho esportivo

Os indivíduos que praticam exercícios físicos onde o componente força e/ou velocidade são importantes usam como energia primária os estoques intramusculares de ATP e fosfocreatina. Esta fonte energética é utilizada em trabalhos físicos máximos, por exemplo, corridas de 50 a 100 m, sendo a fadiga atribuída nestes casos a um rápido decréscimo nas concentrações musculares de fosfocreatina (Williams, 1998).
A maioria dos estudos (Greenhaff et al, 1994; Green et al, 1996; Mujika et al, 1996; Hultman et al, 1996; Peyrebrune et al, 1998) sugere que a suplementação de creatina pode melhorar o desempenho nos exercícios de alta intensidade, que dependem primariamente da energia rápida que provém da fosfocreatina, isto é, exercícios de aproximadamente 10 segundos. Entretanto, a suplementação de creatina não tem mostrado efeito ergogênico e exercícios com significativa participação da glicólise anaeróbia e aeróbia (Williams, 1998). O mecanismo mais provável para o efeito ergogênico da creatina é o aumento da creatina total do músculo, o que favorece o aumento da ressíntese de fosfocreatina (Peyrebrune ET al, 1998).
A melhora do desempenho causada pela suplementação de creatina pode estar associada ao aumento da freqüência de ressíntese de fosfocreatina durante o exercício (Smith et al, 1998). No entanto, mesmo que haja aumento da creatina total muscular, este aumento pode não se traduzir em melhora do desempenho esportivo (Snow et al, 1998). Durante os exercícios de alta intensidade e curta duração,
quando a demanda energética é muito alta, o ATP precisa ser ressintetizado pelo sistema anaeróbio metabolizando o glicogênio a lactato e degradando as reservas de fosfocreatina, sendo neste caso a atividade da enzima creatina cinase máxima.
Como a creatina cinase tem proximidade ao citoplasma, a freqüência com que o ATP pode ser gerado a partir de ADP e fosfocreatina é consideravelmente mais rápida do que a gerada pela glicogenólise e sendo assim, a ressíntese de ATP pode ser prejudicada (Williams, Branch, 1998). Greenhaff et al (1994) sugerem que um aumento na concentração de creatina pode melhorar a capacidade de suportar a fadiga pelo músculo, já que a suplementação de creatina em doses de 20 g/dia aumentou 7% a capacidade de tolerância do músculo à fadiga.
Um fator que poderia favorecer a retenção de creatina no músculo seria a sua suplementação em conjunto com carboidratos (Green et al, 1996), sendo o seu efeito anulado quando feita de forma combinada à cafeína (Vandenberghe et al, 1996). A suplementação de creatina mais carboidratos pode aumentar o transporte de creatina para o músculo, sendo este efeito mediado pela insulina. Tanto a suplementação isolada de creatina como sua suplementação de forma combinada ao carboidrato aumentam o estoque de creatina total e a fosfocreatina (Green et al, 1996) e poderia teoricamente aumentar o desempenho físico.
Como podemos observar, os resultados da suplementação de creatina são contraditórios e divergentes, dependentes do tipo de exercícios, da contração tecidual inicial de creatina, da dieta, do protocolo se suplementação utilizado é do
estado de treinabilidade do indivíduo. Finalmente, é referido, que a suplementação de creatina poderia provocar efeitos colaterais tais como diarréia; cãibras musculares, que poderiam ser justificadas pela retenção de água no músculo, já que sendo a creatina uma substância osmoticamente ativa, um aumento na sua concentração intracelular poderia induzir influxo de água para dentro da célula; ruptura e distensão muscular; como também aumento do peso por retenção hídrica (Juhn et al, 1999; Mujika et al, 2000).
Para verificar os efeitos colaterais da suplementação aguda de creatina, Mihic et al (2000) direcionaram-se para três questões principais, a primeira seria sobre os possíveis efeitos na pressão arterial, função renal e atividade de creatina cinase, a
segunda se haveria diferenças sexuais quanto ao aumento na massa corporal total e qual seria a composição desse aumento e a terceira era examinar se um efeito de administração de creatina seria o mesmo sob condições isquêmicas. Não foi encontrado nenhum efeito sobre a pressão arterial, não houve diferença na concentração de creatinina plasmática mostrando não haver alteração da função renal, a atividade de creatina cinase não foi afetada, não foi encontrada nenhuma diferença entre os sexos, a massa corporal total aumentou sendo maior nos homens quando comparado às mulheres e houve aumento significante da massa livre de gordura após a suplementação.
Ao contrário do estudo anterior, Volek et al (2001), observaram que após a suplementação de creatina houve alteração da pressão arterial e função renal, além de alterações da temperatura corporal e freqüência cardíaca, sendo estas alterações observadas após exercícios de curta duração e alta intensidade. Semelhantemente ao estudo de Mihic et al (2000), houve ganho significativo de massa muscular no grupo suplementado com creatina.

Conclusão

A suplementação de creatina pode melhorar ou não o desempenho físico, isto estando relacionado com a dieta, a dose utilizada, a responsividade individual e o tipo de exercício realizado. Quanto aos efeitos colaterais estes podem estar ou não presentes, sendo o efeito mais referido o aumento de peso que pode vir a prejudicar o desempenho físico.

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